23.8.07

Eu não sou Perseu

Medusa, me ameaça a virilidade. Eu com uma cobra entre as pernas, ela com dezenas na cabeça. Lutei ferozmente. Venci quando arremessei pela janela os vários espelhos que havia na alcova. Sem os espelhos, a Medusa ficou insegura acerca do seu próprio poder. O encanto se desfez e vi a verdade: a Medusa era uma menina mimada cheia de minhocas na cabeça.

22.8.07

sobre as cabeças os urubus

Como os exus bebuns devem saber, eu não sou muito chegado à prosa não. Comigo a conversa quanto mais curta e grossa melhor. Mas vou arriscar, que o assunto é grave, mais que qualquer gravame que um tombo poderia me trazer, mesmo aqui, à noite no boteco.

Sou um herético. Os crentes de plantão sempre me acusam de calúnia, injúria e difamação. Dizem que desprezo deus solenemente e, por isso, se escandalizam, uma vez que votam profunda adoração por ele. Para arrematar, reverberam a nave dos templos com imprecações, porque me têm como idólatra.

Nisso lá têm razão os adoradores de deus. De fato, tenho os meus ídolos. Os dos 60 são de minha predileção. Eles foram formidáveis. Porque leves, puros, ingênuos, loucos e anárquicos eram humanos, profundamente. Ídolos em idílio com utopias possíveis, não fossem os crentes no deus único. A conjuntura era de crise aguda dos valores defendidos por párocos e generais. Estes importaram órgãos explícitos de repressão, aqueles providenciavam a caridosa extrema-unção.

Na lateral oposta da nossa esfera mundana, já vinham, há algum tempo, conspurcando a materialidade da história, ciência da locução perfeita da verdade. Mais claramente, falo da adulteração de documentos, como o retoque de fotos para a supressão da qualidade correligionária dos traidores.

Imagina isso tudo hoje? Impossível. Os ídolos, aqueles dos 60, ruíram convertidos ao deus único de todas as profissões da fé: o maldito dinheiro. E os censores evoluíram. Hoje se dedicam à fina arte de suprimir a nudez que há na nudez dos corpos, concretos em carne ou retratados em pixels ou papel couche nas revistas e websites.

Tristes tempos, os amantes continuam a precisar de véus e sombras. E pensar que lá nos 60 parecia que tudo ia ser dado à luz. Hoje não há mais necessidade dos órgãos de repressão, porque há superabundância de órgãos de depressão.

 
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