18.12.06

Sono de Curumim Grande

Pela cama que deito,
Corre uma líquido frio:
Cama minha,
Leito de rio.

Refrigerada minha alma fica,
Imersa nessas águas límpidas,
Em que moram Iaras,
Iluminadas por Boitatas.

Acorde, paspalhão!
Tá na hora, tá na hora
De ganhar o pão!

Cuca malvada passou por aqui,
Levou embora
Meu sonho guri!

Tudo passa, tudo passa:
As Iaras,
Os Boitatás,
A Cuca,
O guri
O paspalhão
E eu.

Enquanto tudo não passa
Aproveite o guri o sono;
As Iaras, os Boitatás;
A Cuca, o paspalhão;
O paspalhão, a modorra
E eu, a vida.

4.11.06

A Massa

Amasse
A massa
Amorfa,
Amasse.
Bata
Raivosa.
Veja
A massa,
Amassada
Com as mãos,
Moldar-se
Lentamente,
Dissipando
O furor.
E toda dor
Em cor
Tornar-se.

Você fez
Um Deus
Ou uma vasilha?

Meu Bom Demônio Mau

Faltam-me as faltas,
Os vícios
E todos os malefícios
Que só sonhei causar.

Sem jeito,
Um bom demônio
É o que há em mim.
Ele me atormena
Não sendo ruim.

21.9.06

Horário Eleitoral Gratuito

Águas jorram
Putrefactas

Signos
Treslidos
Açoitam
O ar

Viola
De repente
No sense

Fala de
Louco
Mouco

Palavra forte
Sem prumo
Norte
Ou rumo

Palavra torta
Coração sem
Aorta

Tatu Jeca
Feliz

Jair sem Neneca
Neneca sem Jair

Címbalos
Que tinem
Algazarra

Infecundo
Oco do Mundo
Num inconcepto parir

5.8.06

Erosão Onírica

As coisas só se revelam à consciência por meio da frustração que provocam . Heidegger

Gotas de realidade
Sobre meus sonhos
Se abateram tanto
Que fizeram trilhões de rombos
De maneira que não os reconheço mais.


Onde está a beleza de tudo?
O frescor? A luz?
Onde estão os poemas de amor e suas flores?
Tudo se foi.
Ficou tão-somente essa cor pálida, sem graça,
Da trapaça da vida sobre mim.

Mas se Heidegger estiver certo,
Resta enlutar-me
E (quem sabe?)
No fim dessa luta que é o luto -
Essa batalha entre o que é e o que desejo -
Possa eu aceitar como agradável o beijo
Da realidade sobre mim.

23.6.06

Mude Grande

Ande,
Desista de ser grande.

Seja meramente.
Grão de feijão
No tutu
Da gente.

Seja homem comum.
Viva a cada um
Os dias que vierem.

Diga não
Ao ímpeto
Da sua planta dos pés
Em abandonar o chão.

Seja, enfim, o que você é.
Branco no preto,
Nu e cru,
Vazio ou cheio.

Que o último suspiro
Inteiro o leve.

22.6.06

Vidência

Vermes
Desmantelarão
As suas entranhas

A uma geléia pútrida e fétida
Será reduzido
O seu corpo

A morte
É o seu futuro
Inapelável

Considere isso
E, de agora, viva,

De fato, sob essa velha perspectiva

13.5.06

Domingo das Mães
(à minha mãeZinha e à mãe do filho meu)

Nove meses
De breu
E então à Luz
Ela me deu

Filho da Mãe
Eu sou
E mais
Pai
Se o sou
Sou-o pela Mãe
Do filho meu

Amigos
Se hoje os tenho
É porque antes
Nos tiveram
Nossas Mães

Que Mães
Que Mulheres
Fortes
Como as colheres
Transbordantes de papa,
Vitaminas e carinho

Colo quente
Acalanto
Ao pranto
Da noite fria
De terror e medo

E é assim
Porque desde meninas
Aprendem a fazer
De qualquer lugar
Um lar
De natureza solar

Que ensolarados fiquem,
Neste domingo,
Hospitais,
Hospícios
E presídios.

Que ensolarados fiquem
Mansões,
Apartamentos
E palafitas

Que o Homem
(mesmo o embrutecido
ou o entediado)
Rememore
A infância ida
E chore o pranto manso
Pela doçura
(Somente pensada)
Perdida

Que nesse Amar
Enfim
Possam as Mães
Ser eternas
E ternas
Intensamente
Sempre em nós

7.4.06

No futuro: hoje e ontem

O tempo, realmente, é um senhor muito lindo. Quanto mais passa, mais lépido ele fica e nos precipita veloz para frente.

Que passe esfuziante então o tempo. Que do passado venham-nos forças para ir vivendo mais lentamente e, por fim, possamos dizer: não envelhecemos, simplesmente paramos o tempo e da sua casa saímos pela mais óbvia das portas para brincarmos no quintal da memória.

21.3.06

Livre no Claustro

Acolhe
Os muros
Do claustro,
Acolhe.

Contra eles,
Não te batas.
A feição de um muro é dura
E a da carne, fraca.
Fica calmo,
Mas não te satisfazes.
Preso, sê livre
Por meio da cinzenta massa.

Da Serventia da Poesia

De que serve a poesia?
De que serve?
Só sei que uma coisa dentro...
Verve!
Eis que surge ela então
De modo que não sei mais
Se ela que me serve
Ou se dela sou um servidor.

Vale-Presente

Dou-te este vale hoje
Com duas condições:
Que pares de sofrer o passado
E de antecipar os dias que virão(?).

Este vale vale por antolhos.
Antolhos para ver o chão.
O chão que agora pisas
E que teus pés nunca mais pisarão.

Dou-te este vale hoje
Porque vã
É a garantia do amanhã
E o ontem faz torto
A quem carrega o seu fardo morto.

 
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